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Para que serve cada título do tesouro?
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- Lucas Oliveira
Essa veio de uma pergunta direta de um amigo meu. Para honrá-lo, vou reproduzir a pergunta na íntegra:
[...] A grande maioria das pessoas é bem quadrúpede. Tipo, [se] quero investir em tesouro direto, tem o IPCA+, o SELIC... já me trava. Qual é o cenário onde cada um deles é melhor? Pré e pós...?
Bem... eu discordo que a maioria das pessoas é bem quadrúpede 😅, mas acredito realmente que é difícil ser pragmático com tantas opções. Na verdade, acredito mesmo que existe um gnomo das siglas financeiras, que cria uma sigla nova a cada passo que dá.
Para começar, só existem dois tipos de investimento, renda fixa e renda variável, como já conversamos em outro post. Dentro da renda variável, todos os investimentos possuem um "preço", e comprar barato e vender caro é lei. Já na renda fixa todos os investimentos estão atrelados a uma taxa de juros, e quanto maior melhor.
Tudo muito fácil e bonito até agora. Mas para avançarmos, é importante entender o que pensa o outro lado. Qual é a queda de braço de mercado que regula essas taxas de juros? Se na renda variável existem entidades comprando (e aumentando o preço) e vendendo (e reduzindo o preço), o que faz essas taxas de juros serem melhores ou piores?
É aí que começa a ficar complicado, porque as empresas não pensam como nós. Enquanto a maior parte das pessoas vê um CDB e pensa que vai ganhar um % em tanto tempo, o banco enxerga que está transferindo risco para um terceiro, e pagando de acordo com o nível do risco transferido.
- Risco? Mas renda fixa não é seguro???
- Vamos ao exemplo (#1)
- Vamos ao exemplo (#2)
- Vamos ao exemplo (#3)
- Conclusão
Risco? Mas renda fixa não é seguro???
De forma alguma! Como não me canso de falar, todo investimento tem risco. Se um cliente não paga seu empréstimo ao banco, por exemplo, o banco fica com o prejuízo... a não ser que ele terceirize ;) E os bancos costumam ser muito espertos na gestão desse risco e nos custos/lucros associados a ele. O uso de indexadores nada mais é que uma forma de traduzir de forma mais direta essa transferência de risco.
Vamos ao exemplo (#1)
Imagina que o banco concedeu um financiamento corrigido pelo IGP-M, digamos IGP-M + 5%. Ao transferir esse risco para um terceiro (pensa em CDB) usando um modelo pré-fixado (sem indexador), o banco espera minimizar a chance de ter prejuízo com a operação. Logo, ele vai escolher uma taxa de juros que garanta que, independente de para onde for o IGP-M, ainda sobre um margem de lucro para ele. Se ele entender que o IGP-M do período não vai passar de 3% de jeito nenhum, o maior juros que ele pagará num CDB prefixado será de 8% (3+5).
Se esse mesmo banco decide transferir esse risco usando um indexador, como o próprio IGP-M, o banco não precisa chutar/estimar quanto será o IGP-M do período e correr o risco de estar errado. Ele pode simplesmente criar um CDB que pague IGP-M + 4%, por exemplo. Dessa forma, garantirá que sempre vai ter 1% de lucro.
- Ah legal, mas como isso me ajuda? - Cidadão indaga o autor
Excelente pergunta!
Em primeiro lugar, te ajuda a entender que investimento e risco duas faces de uma coisa só. Se você está investindo e não está ciente dos riscos que está comprando ou vendendo, provavelmente está entregando dinheiro fácil na mão de alguém.
Em segundo lugar, te ajuda a entender que a comparação entre dois tipos de investimento se resumem a nossa expectativa com relação ao indexador.
Vamos ao exemplo (#2)
Um investidor tem a opção de investir em tesouro direto pré-fixado para ganhar 11% ao ano ou no pós-fixado para ganhar IPCA+6%. Naturalmente, dá para notar que alguém (o mercado?) está subentendendo que o IPCA médio do período provavelmente fique em aproximadamente 5%. Se este investidor concorda com essa avaliação, as opções são equivalentes... a menos do fator risco.
A primeira opção garante a ele que todo ano, seja o IPCA 0%, seja a 100%, receba o mesmo valor. A segunda opção garante que ele sempre veja seu patrimônio corrigido pelo IPCA, o que faz sentido caso o risco dele de alguma forma esteja atrelada ao IPCA (como cidadãos normais cujo orçamento familiar depende muito da inflação). Caso o investor, possua um financiamento pré-fixado obtido magicamente a 6,9%, como é o meu caso específico, seria uma excelente ideia fazer investimentos pré-fixados com taxas superiores a 6,9% (+impostos e taxas). Nesse caso o IPCA+6% pode ser uma má ideia caso (por qualquer motivo aleatório e imprevisível) o IPCA seja menor ou igual a zero no período.
Vamos ao exemplo (#3)
Digamos que nosso amigo investidor quer muito investir em renda fixa, mas não tem orçamento familiar, empréstimos ou coisas parecidas para usar como referência. Ele quer fazer esse investimento de forma puramente especulativa, ou seja, antecipando movimentos de mercado para obter condições melhores. O que ele pode fazer?
Nesse caso, ele precisa estar atento aos movimentos macro-econômicos que regem os índices que ele pretende operar. Por exemplo:
IPCA: Como estão os gastos do governo, tendendo a subir (sobe IPCA) ou a cair (desce IPCA)? Como está a SELIC e a tendência dela? O governo tem políticas (concretas) para reduzir ou aumentar o IPCA? Como estão as taxas de desemprego? Como está o cenário macro-economico dos outros paises?
IGP-M: Como está o mercado de imóveis, aquecido ou desaquecido? Como isso influenciará o preço dos imóveis no longo prazo? Como estão as taxas de desemprego?
TR: O que pode acontecer para esta taxa (antiga) voltar a apresentar valores relevantes?
SELIC: Como a atual administração do Banco Central do Brasil vê o cenário econômico? Como estão as taxas de desemprego, produção industrial, balança comercial, taxas de câmbio e inflação?
Complicadinho, né? Não por menos existem cursos de graduação e pós graduações de vários anos para entender todas as dinâmicas econômicas. E ainda é preciso estar bem antenado e saber interpretar bem algumas situações.
Momentos onde oportunidades importantes aparecem é quando uma parte relevante dos investidores apresenta algum viés, como os que costumam aparecer durante eleições (onde as paixões tomam lugar da razão). Gosto muito de situações onde o viés da confirmação (vide tirinha abaixo 😉) contamina (quase) metade da população, abrindo oportunidades de investimento únicas. (Existem outros vieses, vamos falar deles nos próximos artigos).
Foi o caso no mandato presidencial da Dilma Rousseff (SELIC foi a 14,25% e logo depois caiu a 6,5%), mandato presidencial do Jair Bolsonaro (SELIC foi de 2,00% a 13,75%)... (continua)
...e em toda troca de governo desde o começo da Bolsa de São Paulo 😅. Note que cada governo possuí vieses bem definidos antes (expectativa), no inicio (confirmação) e no final (realização).
Conclusão
Para não deixar de dar uma resposta assertiva ao meu grande amigo do começo do artigo, quero deixar uma conclusão bem "direta": depende. Como tudo no mundo dos investimentos, existe uma série de fatores que precisam sempre ser avaliados, inclusive a aderência ao perfil de investimentos e planejamento orçamentário familiar e de investimentos de curto, médio e longo prazo do cidadão.
Mas... em geral, a renda fixa como um todo costuma apresentar boas oportunidades quando o mundo parece que não tem mais solução. Este é o momento em que empresas, governos e demais estão com dificuldade de angariar crédito (tão importante para sua operação) e fecham negócios antes impensáveis. Em geral, a taxa básica de juros do Brasil e de outros países (relevantes) costuma dar bons indicativos se estamos ou não nesse momento. Basta comparar a média histórica recente. O ponto de inflexão/virada da renda fixa costuma ser mais lento/longo que o da renda variável, podendo se apresentar como uma janela de vários meses.